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Há dias a conversar com um amigo chegamos à conclusão que fez já, no mês de Agosto, 42 anos que vim viver para Lisboa.
E com o desenrolar da conversa falámos do cheira bem, cheira a Lisboa, que nessa época era uma realidade.
Especialmente no Chiado.
Em primeiro lugar, porque todos os dias os cantoneiros da Câmara lavavam as ruas com mangueiras a jactos de água.
Depois começámos a desenvolver os cheiros do chiado que nós identificávamos bem.
Assim recordámos o cheiro da Praça de Camões influenciado pelos pinheiros que antigamente tinha e o cheiro a férrodo das linhas do eléctrico.
Depois passámos pela Igreja da Conceição com o ceguinho à esquina e o seu cão deitado a seus pés na sua manta.
Do sinaleiro em cima de base em madeira, do telefone dos táxis junto aos candeeiros do passeio e a paragem do eléctrico.
Do cheiro a incenso da Igreja e da Tabacaria à entrada para a morgue da mesma Igreja, onde recordámos aquela quinta-feira em que a judiciária cercou todo largo e prendeu todos os rifeiros que faziam praça frente à tabacaria, inclusivamente foram pesos empregados do Fonseca e Burnay que, na altura, se encontravam no largo e foram também na ramona.
Do cheiro a gasóleo do largo das duas igrejas, dos táxis Mercedes 180 estacionados e dos jornais expostos junto ao candeeiro.
Do sapateiro na entrada do Prédio.
Do cheiro dos livros da livraria do Diário Notícias.
O cheiro do Chiado Terrasse.
O cheiro do Jardim da Mundial.
O cheiro do teatro S. Luiz.
O cheiro a iodo do Tejo junto ao gradeamento do fim das ruas dos duques de Bragança.
O cheiro do largo do picadeiro acompanhado com o som da bigorna do ferreiro que ali existia.
O cheiro do Nina, cabaret da moda.
O das senhoras a caminho da ópera no S. Carlos.
O Cheiro do polícia sinaleiro do largo do chiado.
O cheiro dos charutos da Casa Havaneza.
Do cheiro do café e dos bifes da Brasileira.
Do Ramiro Leão.
Do Paris em Lisboa.
Da Benard.
Da Sá da Costa e dos homens de letras a tagarelar à porta.
Do sinaleiro da esquina da Serpa pinto.
Do Avis.
Da Farmácia Garret.
Da Igreja dos Mártires.
Da Pastelaria Marques.
Do Turf.
Do Café chiado.
Da Bertrand.
Da florista da escada do Dr. Damas Mora.
Da Gardenia.
Da Leitaria Garrett.
Do sapateiro com a fileira de cadeiras a engraxar e o cheiro a graxa.
Da casa da sorte e os papelinhos espalhados pelo passeio aquando da venda de algum prémio.
Do café da casa Pereira.
Do sinaleiro da Rua Ivens.
Do tauromáquico.
Da presença, à esquina da Rua Ivens, dos limpa chaminés e dos moços de recados com as cordas às costas.
Das garrafas de leite guardadas junto ao vendedor de jornais, à esquina.
Dos miúdos a fugir à polícia para mudar o disco da zona azul de estacionamento.
Das filas das mulheres para trocar as tampas do Omo por panelas.
Do Grémio.
Do Ibéria.
Da Alcobia.
Da Sopal.
Das madames à porta da Madame Pompadour a ver as últimas modas de PARIS.
Dos chocolates, dos perfumes da mercearia, do café e do fiambre
da Jerónimo Martins.
Do Eduardo Martins.
Do cheiro da Padaria da Rua do Sacramento.
Das filas para pagar o gaz e a electricidade.
O perfume da Au Bonheur des Dames.
O som da Custódio Cardoso Pereira.
A Roupa da Casa Aguiar e o espaço das montras visitado por aflitos durante a noite.
O Som da Melodia e a sua enorme montra.
A fruta do Martins e Costa.
O som da discoteca do Valentim de Carvalho.
O cheiro da Pastelaria Ferrari.
O cheiro das bifanas do Zé e do Matos, na rua do Governo Civil.
O sapateiro em frente, a loja do Tom, a tabacaria dos valores selados.
A fila para as finanças para o imposto profissional.
Do Belcanto.
Do cheiro das casas e das bicicletas da rua Ivens.
O cheiro da amoreira do Largo da Biblioteca Pública e do seu jardim e o da Escola de Belas Artes.
Do miradouro mais tarde do Entreposto.
Do Cabaret Tágide.
E o cheiro das madames misturado com o som dos bailaricos das tardes de domingo na Casa do Algarve.
No fundo, o cheiro das Acácias, dos Plátanos, das Olaias, das Amoreiras, das Palmeiras, das Buganvílias, das Eras, dos Lírios roxos que coloriam toda a Lisboa dos anos sessenta.
São apenas dois exemplos da alegria que se sentiu por todo o país com a victória do campeonato na época passada.
O primeiro na zona de Castelo Branco e os outros dois na Malveira de Mafra.
Um dos meus primeiros negócios que tenho ideia foi com a Carris, obtive um excelente negócio que consistia em testar a resistência dos estribos dos eléctricos e os respectivos varões de madeira, começava de manhã na carreira de Benfica, durava o dia todo nas diversas deslocações que tinha de efectuar e à noite na ida prá Patrício e depois no regresso a casa.
A vantagem é que vez em quando lá poupava os dez tostões do bilhete.
Com o evoluir consegui um negócio com umas firmas de têxteis do norte para testar a resistência do terylene das calças geralmente nos joelhos.
Vim depois sempre em evolução a conseguir novo negócio com umas firmas de sapatos do norte para testar a sua resistência nas descidas em andamento dos eléctricos e autocarros.
Mais tarde o negócio evoluiu e passei a ter de passear por Lisboa uns sapatos com uma sola de 2 cm de altura e um salto de 6 a 7 cm.
Nos têxteis também evoluiu e tive de passear umas calças de cintura apertadíssima sem bolsos e que tínhamos de colocar de lado as miudezas que ficavam bem salientes à matador de toiros larguíssimas em baixo com virola se calhar para tapar os horríveis sapatos de tacões.
Também houve uma fase que o negócio era casacos apertadinhos com chumaços (à Borsalino), cabelos compridos com grandes patilhas e camisas com colarinho alto em redondo apertadíssimas desapertadas até meia-barriga que quando se respirava fundo saltava pelo menos um botão, mas havia sempre uma alma caridosa voluntária para o pregar e o quanto agradável era meterem por baixo da camisa dois dedos com unhas pintadas de verniz que se colavam à barriga para no final rematarem com o gesto sensual para cortarem a linha com os dentes, só estes dois momentos justificavam tamanho sacrifício.
Depois consegui um negócio para visionar os filmes dos cinemas de Lisboa, e quase consegui o pleno, houve uma altura que quase tinha o pleno dos filmes em exibição visionados, salvavam-se uns poucos cujo titulo e actores não era apelativo.
Ainda tive um negócio aos fins-de-semana na ida à praia, ia às seis da manhã para as filas intermináveis do Cais do Sodré para ir pendurado no comboio até Carcavelos ou cascais com os amigos que trabalhavam nos diversos restaurantes da baixa, ou por vezes as coisas eram mais completas e primeiro passava pelas filas interminaveis do cacilheiro no Cais do Sodré e depois repetia-se a dose em Cacilhas para apanhar o autocarro para a Costa da Caparica.
Fiz depois o contrato da minha vida com a Sociedade Central de Cervejas, e aí tinha de verificar da qualidade da imperial servida em Lisboa, foi tão importante este contrato que o médico me proibiu por motivo de doença profissional “a gota” de levar pela frente a tarefa e então agora apenas tenho no contrato a responsabilidade da qualidade das “minis” servidas na "Belinha" quando vou à terra.
Tive também um contrato aqui há uns anos quando começou a haver whisky marado por tudo o que era sitio, de testar da sua maradez nas diversas baiucas de Lisboa e arredores.
Depois um negócio de levar amigas e namoradas aos cinemas desta Lisboa, depois aos bares de música ao vivo e respectivas caipirinhas.
Actualmente mudei de ramo e abri um hotel e a minha sogra é o meu principal e mais fiel cliente.
Definitivamente negócios não são o meu forte
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